Passadas as eleições, esfriados os ânimos, atrevo-me a refletir um pouco sobre o que vivenciamos durante o período eleitoral, o mais atípico período eleitoral já vivido no Brasil. Por que afirmo isso? Porque esse foi um tempo de intensa competição eleitoral, um tempo que nos fez acreditar estarmos vivendo uma dinâmica política realmente democrática. Afinal, como afirmou um renomado cientista política europeu, a incerteza é a marca maior da democracia - "Ama a incerteza e serás democrático', e ninguém pode duvidar da incerteza que marcou o processo eleitoral até os últimos momentos.
No entanto, a nossa (ou a minha?) euforia democrática, não combinou com a forma como os partidos políticos tentaram aumentar o seu capital eleitoral: semeando o medo no eleitorado. Na ausência de um debate propositivo acerca do que cada um pretendia com o discurso mudancista (todos queriam mudanças, inclusive a presidente), a estratégia para ganhar o eleitor foi sempre a de destruir o outro, e na grande maioria das vezes disseminando medo no eleitorado mais vulnerável: o eleitor mais pobre. Um medo sórdido, irreal, que me fez lembrar o medo dos comunistas quando eu era criança: "Comunista come criancinha..." Um medo difundido pelos conservadores durante a primeira campanha eleitoral de Lula para presidente, quando difundia-se a idéia de que caso o PT chegasse ao poder, as pessoas teriam seus bens (fogão, geladeira, etc) confiscados pelo governo.
Nada me parecia mais vulgar do que essa forma de fazer política, disseminando ameaças acerca da possível vitória do outro.
E essa foi a grande novidade dessa campanha eleitoral. Nada me chocou mais do que aquela propaganda do PT, contra a candidata Marina Silva, que tinha imagens de banqueiros como seres misteriosos e maus, seguido de imagens de uma família pobre na hora da refeição, vendo a comida sumir de seus pratos. A mensagem não explicitada era a de que, caso Marina fosse eleita, a comida ia sumir do prato do pobre, como iriam sumir da casa dos pobres o fogão ou a geladeira, comprada a tanto custo, caso Lula fosse eleito presidente.
O PT, vergonhosamente usou do mesmo recurso pérfido de seus adversários alguns anos atrás. E as mensagens de medo não pararam por aí: a campanha do medo usou de difamação e calúnias para construir o perfil dos adversários, num jogo de vale tudo. E a imagem dos candidatos esteve sempre desfocada por não ter rebatimento em espelhos que refletissem a verdade. O objetivo não era simplesmente ganhar a eleição mas, sobretudo, destruir moralmente o adversário, num comportamento muito pouco republicano. E esse discurso era dirigido, sim, ao cidadão menos informado e, por isso, vulnerável à todo tipo de afirmação que a ele fosse dirigida na campanha eleitoral. Inclua-se nesse eleitorado menos informado, não somente o pobre do nordeste (com muito pouco acesso à informação) mas também uma grande parcela da classe média que só é informado pelo noticiário da televisão. Que não lê jornais, que não acompanha o debate político, que não consegue ver além do seu mundinho privado.
É, falta muito! Falta muito para a democracia brasileira se consolidar pois, a despeito de todos os avanços, os que disputam o poder a qualquer custo não costumam se guiar por regras ou instituições democráticas. O povo tem feito a sua parte, os políticos não...