A história da humanidade é marcada pela preponderância de um tipo de conhecimento, específico à cada momento. Passamos do conhecimento religioso (sobrenatural), dominante na sociedade primitiva, ao conhecimento filosófico, e, algum tempo depois, ao conhecimento científico, conhecimento baseado na observação, na busca de comprovação (evidências) e na formulação de leis e teorias. O advento do conhecimento científico provocou grandes conflitos na sociedade da idade média. As descobertas científicas eram consideradas heresias e podiam levar os seus autores até à fogueira.
A despeito de tudo isso, o mundo moderno teve o seu desenvolvimento graças ao avanço da ciência em todas as áreas, inclusive na área médica. O tratamento da saúde da população, passou dos rituais xamânicos (religiosos ), para a adoção de medicamentos e técnicas diagnósticas , cada vez mais aprimorados, no sentido da descoberta de caminhos para uma intervençao segura e para a cura das enfermidades. As ciências médicas deram passos significativos nos momentos em que epidemias e doenças desconhecidas apareceram causando transtornos e mortes em grande escala. A descoberta da penicilina e o surgimento das vacinas, como antídotos eficientes , para o combate e a prevenção das "novas doenças", foram avanços signicativos nesse novo contexto. Os cientistas, passaram, assim, a ser reconhecidos e valorizados pela sociedade.
O inicio dos anos 20 do seculo 21, surpreendeu a sociedade global com o aparecimento de uma nova enfermidade, causada por um vírus, até então desconhecido, em suas novas variantes, que instalou uma pandemia no mundo como um todo. O coronavirus passou a ser o inimigo numero um das diferentes sociedades, porque para combatê-lo não havia remédios, protocolos médicos ou conhecimento suficiente para enfrentá-lo. Essa triste realidade levou a uma rotina médica de tentativas, acertos e erros, num primeiro momento, e o resultado foi a adoção de algumas medidas cuja utilização, foi considerada exitosa em alguns pacientes, passando a ser vista como solução para o problema. Medicamentos utilizados no tratamento de algumas patologias, como malária, foram utilizados e, imediatamente divulgados, como uma possível solução para o tratamento da COVID, embora estudos, no mundo inteiro, tenham negado a sua eficácia para o tratamento da doença.
Centros de pesquisa médica, em todo o mundo, passaram a trabalhar na busca da descoberta de remédios eficazes no tratamento da nova doença, assim como de vacinas, que pudessem paralisar o avanço da mesma com a imunização da população. O mundo da ciência vem trabalhando incansavelmente, desde o início da pandemia, tentando encontrar antídotos eficazes contra esse mal e, diferentes vacinas começaram a ser produzidas. Tudo ainda está em fase de estudos e testes, embora algumas vacinas já possam ser testadas em grande escala para minorar o crescimento avassalador da COVID. A esperança da humanidade está no avanço da pesquisa científica, como esteve no passado, quando novas doenças apareceram, dizimando populações.
O que me parece estranho, nesse momento?
O aparecimento de um posicionamento anti-ciência que parece se espalhar, em países como o Brasil,em decorrência do posicionamento de pesquisadores e correntes médicas, que se posicionaram contra os tratamentos sem comprovação, utilizados por parte significativa dos profissionais médicos, sem formação específica em infectologia\epidemiologia. O debate foi politizado e virou bandeira de luta de correntes políticas em oposição. E no meio disso tudo, vimos crescer um discurso anti-ciência que deveria causar indignação a todos. Médicos e políticos assumindo posições, muitas vezes desrespeitosas, contra aqueles que dedicam a sua vida à pesquisa científica, tão necessária no atual momento da história.
O discurso da prática versus a ciência é um falso discurso. Não existe prática sem conhecimento acumulado, sem experimentação científica que comprove a evidência dos caminhos seguros para o tratamento das enfermidades. Hoje, até a chamada medicina alternativa tem chegado aos centros de estudos, na busca de seu aprimoramento. O discurso anti-ciência é um discurso vulgar, preconceituoso (desde a idade média), e sectário.
Vivemos na civilização e não podemos deixar que o discurso da barbárie sirva de talismã para muitos, inclusive para aqueles que governam. Prática e ciência têm que andar juntos para que a medicina continue sendo capaz de salvar vidas.
E aqui vai o meu aplauso para profissionais da universidade que, mesmo sendo médicos, fizeram opção pela investigação científica com o intuito de contribuir para a prática médica como um todo.