Antecipando o dia de Finados estive ontem visitando o túmulo de pessoas queridas que se foram e que deixaram marcas em mim. Fui em busca da "paz dos cemitérios", esperando um pouco de consolo para a saudade que dói fundo no meu coração. E levei flores para deixar mais bonitos os lugares onde elas repousaram para sempre. Estive no Cemitério "Morada da Paz" e depois no Cemitério de Nova Descoberta, antigamente chamado de cemitério da Saudade.
E nesse meu périplo por esses lugares santos, uma inquietação começou a tomar conta de mim e ameaçou se transformar em indignação.
O primeiro deles, uma empresa privada (a indústria da morte). Um campo bonito, um silêncio respeitoso e a abundância de flores (vendidas pela própria empresa), que além da limpeza e organização, transformam o lugar em um lugar de paz. Hoje haveria lá, além de missas, chuvas de pétalas, violinos tocando, serviços de informação.
O outro, um cemitério público, que se propunha moderno quando foi criado. Alí, um pouco da Babel: faxineiros de túmulos em profusão, para vender os seus serviços, de última hora; lixo por toda parte; túmulos abertos, numa visão deprimente do descaso com os mortos; e um intenso comércio ambulante de flores. Some-se a isso tudo, a insegurança. Onde as pessoas têm medo de portar bolsas ou carteiras, por medo de assalto, e podem cruzar com adolescentes e adultos, saindo do meio do mato, completamente drogados. Um cemitério sem paz.
Constatei naquele dia que a diferença entre o público e o privado se estabelece também em relação à morte. Que os cemitérios reproduzem na prática a estrutura desigual da sociedade. Que o serviço público nesse país, não peca na qualidade, apenas na educação e na saúde, mas também no trato com os velhos e na morte.
E não estou falando de um cemitério público na periferia da cidade. Estou falando de um cemitério situado num bairro de classe média onde repousam os restos mortais de figuras ilustres de nossa comunidade: artistas, intelectuais, políticos e empresários. Mas onde você não pode colocar flores na véspera do dia de finados pois elas podem ser roubadas para serem revendidas no dia, na feira da entrada.
Fico pensando no Cemitério do Bom Pastor, para onde vão os mais pobres, quando conseguem um lugar.
E me lembrei do meu horror quando fui a um sepultamento de uma pessoa querida no cemitério do Cajú, no Rio de Janeiro e o comparei ao São João Batista, onde são enterrados os cariocas bem nascidos
Essa é a sociedade em que vivemos, uma sociedade que guarda para os ricos ou remediados, um lugar de paz, para os pobres um lugar de medo e acima de tudo de desrespeito pelos que já se foram.
E como dizia a música: "tem que pagar prá nascer, tem que pagar prá viver, tem que pagar prá morrer..."
Isso, se você faz a opção de fazer tudo, com o mínimo de dignidade.
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